Vidinha
Vidinha era uma rapariga que tinha tanto de bonita como de movediça e leve; um soprozinho, por brando que fosse, a fazia voar, outro de igual natureza a fazia revoar, e voava e revoava na direção de quantos sopros por ela passassem; isto quer dizer, em linguagem chã e despida dos trejeitos da retórica, que ela era uma formidável namoradeira, como hoje se diz, para não dizer lambeta, como se dizia naquele tempo.
Portanto não foram de modo algum mal recebidas as primeiras finezas do Leonardo, que desta vez se tornou muito mais desembaraçado, quer porque já o negócio com Luisinha o tivesse desasnado, quer porque agora fosse a paixão mais forte, embora esta última hipótese vá de encontro à opinião dos ultrarromânticos, que põem todos os bofes pela boca pelo tal primeiro amor: no exemplo que nos dá o Leonardo aprendam o quanto ele tem de duradouro.
Se um dos primos de Vidinha, que dissemos ser o atendido naquela ocasião, teve motivos para levantar-se contra o Leonardo como seu rival, o outro primo, que dissemos ser o desatendido, teve dobrada razão para isso, porque além do irmão apresentava-se o Leonardo como segundo concorrente, e o furor de quem se defende contra dois é, ou deve ser sem dúvida, muito maior do que o de quem se defende contra um.
Declarou-se, portanto, desde que começaram a aparecer os sintomas do quer que fosse entre Vidinha e o nosso hóspede, guerra de dois contra um, ou de um contra dois. A princípio foi ela surda e muda; era guerra de olhares, de gestos, de desfeitas, de más caras, de maus modos de uns para com os outros; depois, seguindo o adiantamento do Leonardo, passou a dictérios, a chasques, a remoques.
Um dia finalmente desandou em descompostura cerrada, em ameaças do tamanho da Torre de Babel, e foi causa disto ter um dos primos pilhado o feliz Leonardo em flagrante gozo de uma primícia amorosa, um abraço que no quintal trocava ele com Vidinha.
(ALMEIDA, M. Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Editora FTD, 1996, p. 123.)
Memórias de um sargento de milícias é um romance de costumes, que foi publicado em folhetins no jornal Correio Mercantil, de junho de 1852 a julho de 1853. Os folhetins eram capítulos de uma obra publicados nos jornais da época, de alto interesse do público leitor, correspondentes às novelas de televisão contemporâneas. Narrado em 3ª pessoa, o romance tem como foco a camada socioeconômica popular da sociedade carioca do início do século XIX, no período em que a corte de D. João VI veio para o Brasil.
Esse foco relativo à camada popular da sociedade pode ser inferido no texto pelo fato de:
“que desta vez se tornou muito mais desembaraçado, quer porque já o negócio com Luisinha o tivesse desasnado, quer porque agora fosse a paixão mais forte” (2º §)
No enunciado transcrito acima, o trecho de sentido alternativo foi expresso pela correlação dos termos “quer...quer”. Das alterações feitas abaixo no enunciado, aquela em que a correlação dos termos sublinhados mantém o sentido alternativo é:
“que põem todos os bofes pela boca pelo tal primeiro amor” (2º §)
O verbo “pôr” e seus derivados (dispor, contrapor, antepor etc.) estão entre os verbos da língua portuguesa cuja flexão se faz por padrão especial com inúmeras irregularidades. Considerando essa característica, pode-se afirmar que HÁ ERRO de flexão na frase:
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